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  • Jul 21, 2020
  • 1 min read

Queria poder ser amor independentemente de você Mas você mesma me mostrou, eu não tenho querer E assim mesmo tenho que ser gratidão em existir Logo hoje, quando nosso abraço insistiu em escapulir Me lembrei, me perdoa, obrigado, me perdoa por favor Logo te abraço de novo, eu prometo, eu prometo outra vez Um grito de talvez amor, outros dois de dor com altivez


E com três se tem a tríade da saudação do professor Aquele que te ensinou a me ensinar o grito prever E meio que sem querer eu tenho tudo aqui comigo Só não olhe em volta pra achar o que só se encontra na raiz Dentro de onde só podem ver os poucos e bons amigos E o melhor presente se faz a presença do agora bem aqui Mesmo na ausência da certeza do depois que eu sempre quis


Ora pois, doesn’t matter, que maravilhoso é ter a ti Antes mesmo de ser, entre os grandes era gigante de ardor O que faz de crescer, de cuidar, ato de coragem universal Só os sábios, os bêbados e as crianças podem sentir ferver Que hoje celebro-te vinte e uma vezes, afinal Multiplicada por sete e tantas outras mais se preciso for Que bom que eu sou amor por causa de você

  • Jul 15, 2020
  • 16 min read

Updated: Jul 16, 2020

Era uma vez, talvez duas ou três, nunca saberemos, porque essa é mais uma daquelas histórias banais que se perdem no meio de tantas outras histórias banais, mas que não deixa de ter o seu brilho e sua ternura.


Então, era uma vez Alfredo da Silva Bianchi Filho. Mais conhecido em sua infância na turma do futebol do bairro como Alfredinho dos Bianchi da Rua das Laranjeiras, já que coincidentemente existia outro Alfredinho na turma, esse dos Vilella da Rua das Amendoeiras. Ou também mais conhecido apenas por Alfredinho, quando voltava para casa todo sujo e com joelhos ralados pronto para comer um belo pão com manteiga e leite com café. Ou ainda conhecido como Alfredo Filho, quando voltava para casa todo sujo e com os joelhos ralados pronto para comer um belo pão com manteiga e leite com café, mas tinha se esquecido de fazer o dever de casa antes de sair para jogar bola.


Quando acontecia de não fazer o dever, não era por não querer. Era porque Alfredinho, além de ser um razoável ponta-esquerda, nada comparado ao seu xará da Rua das Amendoeiras, é verdade, tinha outros hobbies maiores, como admirar o mundo, o céu, a Aninha da Rua das Oliveiras, as nuvens e os pássaros. Era obcecado por saber como os pássaros voavam, alguns de flor em flor, outros de árvore em árvore, outros ainda tão alto no céu, outros curtíssimas distâncias dentro de gaiolas. E com tanta prática para observar o mundo com tamanha admiração, desenvolveu dois talentos: o primeiro, ficar com a cabeça nas nuvens a ponto de se esquecer de fazer o dever de casa; o segundo, escrever poesias inocentes de criança.


Começou simples, com três versos:


Quando eu vi uma joaninha Eu lembrei da minha vizinha A Aninha


Sentia que este começo era promissor, mesmo antes de saber da existência da palavra “promissor”. Aos poucos, foi arriscando quatro versos:


Que engraçado Nas casas da Rua das Laranjeiras Não tem laranja Mas tem arame farpado


Cinco versos:


No céu tinha uma nuvem Com a forma de cavalo Chamei minha mãe para mostrar E o cavalo não tava mais lá Foi pastar


E até seis versos:


Ontem joguei bola E perdi a hora Do jantar Depois de dibrar Chutei para abrir o placar Que pena, fiz gol contra


Com um início espetacular de um jovem prodígio, Alfredinho se sentiu pronto para ler na frente de toda a turma sua obra prima de sete versos, que tinha feito especialmente como dever de casa de português.


Como aspirante a poeta que era e com seu caderno em mãos, fez toda a pose que a ocasião pedia, pigarreou, respirou fundo e começou:


No céu tem muitos passarinhos De várias cores Vindos de muitos ninhos

Um deles é mais bonito De cor azul-marinho Que voa tão perto do luar Que não ouvo ele cantar


Todos começaram a rir na hora. Alguns gargalhavam. Outros chegavam a apontar o dedo. Até Aninha ria um pouco sem graça. Alfredinho olhava para os lados desesperado, sem entender. Olhou para a tia, que tentava segurar o riso sem graça e pedia que parassem de rir. Gentilmente, a tia se abaixou e disse:


- Muito bom, Alfredinho, parabéns! Mas o certo é “ouço” e não “ouvo”.


Alfredinho não conseguia ouvir mais nada, só via os rostos que teimavam em gargalhar e sentia o fervor do sangue penetrando em seu rosto. Sentiu pela primeira vez o constrangimento da rejeição dos grandes poetas. Como que ele, no alto de seus oito anos bem vividos, poderia imaginar que o certo seria “ouço” e não “ouvo”? A língua portuguesa mostrava pela primeira vez sua magia. De forma cruel, é verdade, mas era uma magia.

Desolado, Alfredinho fechou o seu caderno e voltou para a sua carteira tentando engolir o choro e fingindo que ria da situação como todos. Daquele dia em diante, sua promissora carreira de poeta entraria em um longo hiato. Porém, seres sensíveis e distraídos não perdiam a sensibilidade com tanta facilidade. No máximo, ela se escondia dentro de alguma entranha cavernosa esperando a hora de mais uma vez desabrochar peito afora.


E de tanto admirar o céu e o mistério do voo dos passarinhos, cresceu com o sonho de voar; de tanto ficar com a cabeça nas nuvens, estudou muito para realizar seu mais novo sonho e desenvolver seu terceiro grande talento.


Alfredo da Silva Bianchi Filho tornou-se piloto de avião, sendo anos mais tarde mais conhecido como comandante Bianchi.


***


Antes de se tornar o famoso comandante Bianchi, porém (sim, Alfredinho ficou famoso), Alfredo trilhou o caminho de qualquer cidadão comum que tem um sonho fora do comum Direito, Medicina e Engenharia – que em sua época já seria uma empreitada ousada. Contou para a mãe os seus planos, que sempre o imaginou como doutor. Ela primeiramente ficou um pouco desanimada com os planos que o filho traçava para si, mas logo imaginou o seu Alfredinho em uma belo uniforme vistoso como um galã de cinema. Alfredinho conquistou, então, o apoio da mãe.


Seu pai, por sua vez, ficou desapontado por mais tempo. Sempre imaginou que seu único filho, que carregava o seu nome e sobrenome, também carregaria a vocação para as leis. Porém, depois que Seu Genaro, o patriarca dos Bianchi que lutara na Primeira Grande Guerra antes de se mudar para o Brasil, se adoentou após um mal súbito, Alfredo, o pai, imaginou que o filho seguiria a vocação do avô como militar, se tornando um grande piloto da Aeronáutica. Com isso, aceitou de bom grado o destino de Alfredinho.


Alfredo, o filho, mais sensível, menos ambicioso e mais discreto, fingiu acatar a ideia do pai de se tornar piloto da Aeronáutica na esperança desta ideia cair no esquecimento. Escolheu pra si embarcar em seu sonho pelo caminho dos verdadeiros amadores românticos. Começou na Escola de Aviação em um monomotor Cessna 172 (seus primos tentavam o irritar chamando Alfredinho de piloto de teco-teco – nada que o abalasse em sua empreitada), experimentou as emoções de planadores e se aventurou na liberdade de asas-deltas aos fins de semana. Passou depois para o bimotor a pistão Piper Seneca e completou as horas de voo necessárias para conseguir emprego como piloto de turboélices, com desataque no vistoso e novíssimo Embraer EMB-110 de um poderoso fazendeiro do sul do estado. Os turboélices para Alfredinho, porém, eram apenas um trampolim para chegar onde estava sua verdadeira ambição: ser piloto de Boeing em companhias aéreas comerciais.


Muito discreto durante toda a sua jornada, permitiu-se festejar quando finalmente conseguiu um emprego de copiloto na Varig. Reuniu toda a família em um domingo de almoço farto, como a tradição dos Bianchi pedia. Fez questão de vestir o uniforme, com quepe, Ray-Ban e tudo mais. Ignorou solenemente as chacotas dos primos e se permitiu ser amado pela mãe e pelas tias. Alfredo, o pai, deu um forte abraço no filho e falou no seu pé do ouvido:


- Quando me disse que gostaria de ser piloto, imaginei que te veria em outra farda...


Alfredinho ouviu o pai com certo pesar. Serenamente tirou os óculos e respondeu:


- Me desculpe... Nunca quis desapontar o senhor...


Alfredo, o pai, respondeu com os olhos marejados de orgulho:


- Não se desculpe, meu filho! Você só me desapontaria se não seguisse os seus sonhos.


Estas palavras foram mais fortes em seu coração que o bater de asas de uma borboleta. Ver as lágrimas romperem a barreira quase que intransponível de seu pai (a última vez que lágrimas ousaram escorrer daqueles firmes olhos fora no falecimento de seu Genaro) era muito mais que qualquer condecoração militar. Alfredo estava completamente formado, pronto para voar carregando mais de uma centena de almas passageiras. Despertava ali um Alfredinho há anos adormecido.


***


Alfredo começou sua carreira na Varig como copiloto do experiente comandante Cruvinel, que logo se tornou uma espécie de seu mentor dos ares. Ensinou para Alfredo os três valores que um piloto digno deveria carregar consigo: respeito com as comissárias de bordo, mesmo que elas se assanhassem; cuidado com os passageiros, mesmo que eles não fizessem por onde exagerando nos drinks; e nunca, em hipótese alguma, negar uma foto a uma criança na cabine, mesmo que ela fosse feia. Esses valores eram regras que poderiam ser rompidas a qualquer momento, desde que Alfredo não quisesse ser um piloto digno.


Digno que era, Alfredo manteve o foco em seu ofício para que nada saísse da linha, fizesse sol, fizesse chuva. Sempre que voava com o comandante Cruvinel, aprendia mais um pouco, da ordem correta de checagem de equipamentos até como empostar a voz na hora de falar com passageiros e tripulação.


Certa vez, logo após uma decolagem em Manaus com destino à Fortaleza, Alfredo viu um pássaro azul-marinho que lhe surgiu como um gatilho. Quando o comandante Cruvinel preparava-se para falar com os passageiros pelo interfone do avião, Alfredo pediu:


- Posso tentar?


O piloto estranhou o pedido de seu copiloto, geralmente muito calado e observador. Com certo orgulho do aprendiz, autorizou:


- Faz teu nome!


Alfredo, com o cuidado e reverência que a ocasião pedia, pigarreou, respirou fundo, empostou a voz e fez o seu primeiro contato oficial com os passageiros como piloto de avião comercial:


- Senhoras e senhores passageiros, bom dia! Aqui quem vos fala é o primeiro oficial Bianchi. Em nome do comandante Cruvinel e toda a tripulação, desejamos um ótimo voo...


O comandante Cruvinel sorriu pra Alfredo que, para surpresa do piloto principal, respirou fundo mais uma vez e continuou:


- E desejamos também que saibam admirar as nuvens e tudo que está no céu. Afinal, você pode até ter os pés no chão na maior parte do tempo, mas para ir de encontro aos seus sonhos é preciso antes de tudo chegar às nuvens. Pela atenção, obrigado e boa viagem!


Silêncio na cabine.


O comandante Cruvinel olhava para Alfredo com os olhos arregalados tais quais duas bolas de gude muito grandes. Como estava sem o quepe, era possível ver os poucos fios de cabelos brancos que lhe restavam no alto da cabeça totalmente em pé. Alfredo engoliu seco e sorriu amarelo. Resolveu quebrar o silêncio.


- Esqueci de falar o tempo de...


- QUE PORRA É ESSA, BIANCHI?!


Alfredo tentou se defender:


- Eu só desejei boa viagem...


- Boa viagem? Boa viagem?! Você conseguiu se ouvir enquanto tentava dar uma de Hamlet cheio de ser e não ser?


Uma leve batida na porta da cabine interrompeu o comandante Cruvinel. Era a comissária Rosangela, o que obrigou o comandante Cruvinel, educado que era, se recompor na medida do possível.


- Com licença, comandante. É que uma pessoa queria vir na cabine...


- Rosangela, ainda não está na hora das crianças...


- Não é uma criança...


- Então quem é?


Rosangela liberou a passagem e uma elegante e sorridente senhorinha surgiu através da porta.

- Oi, meninos! Desculpa incomodar, mas achei lindíssima a mensagem de vocês! Eu tenho muito medo de voar, mas nunca tinha parado pra pensar na beleza de estar tão perto das nuvens. Logo eu, uma sexagenária, que já já vai estar morando nessas nuvens, com medo de voar! Ó, tomem aqui esses bombons de cupuaçu que eu mesma fiz. Era para minha netinha, mas, bom, vocês merecem!


Dona Lourdes saiu da cabine tão ou mais sorridente do que entrou. Rosangela olhava para o comandante Cruvinel, depois para Alfredo e por fim novamente para o comandante. O piloto, por sua vez, tinha os olhos fixos em seu copiloto. Alfredo, que não tinha para onde correr, tentou se desvencilhar do embaraço:


- Ganhamos bombons!


- Não coma agora, você pode se intoxicar e eu não vou querer pilotar esse Boeing por 3 horas sozinho.


Rosangela, que conhecia o comandante há mais milhas que Alfredo, sentiu que por trás da pose robusta do comandante havia sim uma repreensão pela atitude do copiloto, mas havia também admiração. Por isso, com um amável sorriso, deixou os dois a sós, não sem antes ouvir o comandante falar com Alfredo:


- Você assume o manche agora. E nunca mais faça isso.


Alfredo obedeceu a primeira ordem. Quanto a segunda, ele não poderia prometer cumprir para sempre.


***

O glamour da aviação civil seguiu por bons anos, o que foi tempo o suficiente para Alfredo amadurecer sob o regime dos valores aprendidos, conhecer de cor praticamente todos os aeroportos do Brasil e usufruir de luxos da profissão, como bons hotéis e excelentes refeições de bordo. Muitas horas de voo depois, Alfredo se tornou um dos pilotos principais da companhia, passando a ser mais conhecido, agora sim, como comandante Bianchi do que pelo seu primeiro nome. Foi mais ou menos nesta época que o comandante Cruvinel resolveu se aposentar, com muitos louros e nostalgia:


- Lembra daquela vez que você resolveu declamar poema na cabine?


- Lembro vagamente – respondeu Alfredo, dando uma de desentendido do assunto.


Quando seu principal mentor dos ares se recolheu, Alfredo se sentia completamente livre para voar em perfeita sintonia com todos os seus talentos.


Resolveu experimentar essa sensação de liberdade e autonomia em uma tarde sonolenta, logo após o almoço, em uma ponte área:


- Senhoras e senhores passageiros, boa tarde. Aqui quem vos fala é o comandante Bianchi... É... Em dentro de instantes, pousaremos no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Mas nunca se esqueça: se na vida aterrissamos é para depois alçarmos voos ainda maiores. Pela sua atenção, obrigado e boa viagem!


Desde Camões, a língua portuguesa não presenciava um autor tão satisfeito com a própria obra de viagem que começava a declamar. Podia não ter o mesmo valor semântico, muito menos o mesmo valor de registro histórico, mas a satisfação... Ah, essa ninguém tirava de Alfredo, nem do comandante Bianchi, muito menos de Alfredinho.

Seu copiloto da ocasião o olhava abasbacado:


- Então é verdade! Você faz isso mesmo!


- Olha pra frente que já estamos chegando.


Em uma noite na semana seguinte, em um voo para Porto Alegre, lembrou-se de quando apenas olhava para o céu pensando em como os pássaros voavam e em Aninha, sua antiga vizinha da Rua das Oliveiras, e sonhava em ser grande poeta. Lembrou de tudo o que passou para chegar até ali. A inspiração veio naturalmente:


- Senhoras e senhores passageiros, boa noite. Aqui quem vos fala é o comandante Bianchi... Estamos agora numa altitude de 37 mil pés, o que quer dizer que estamos bem mais perto das estrelas do que há 10 minutos atrás. E se você pudesse fazer um único pedido para uma estrela cadente para daqui 10 minutos, qual pedido você faria? Aproveite para realizar e boa viagem!


Gradativamente, os 15 minutos de fama do comandante Bianchi e suas mensagens poéticas dentro do avião aumentavam em tempo e em fronteira, chegando aos aeroportos dos quatro cantos do Brasil. Era cumprimentado por aeromoças e pilotos da Varig e até mesmo da Vasp e da Transbrasil.


Tudo era objeto de inspiração para Alfredo. Aproveitava-se, por exemplo, de seus conhecimentos turísticos:


- Senhoras e senhores passageiros, bom dia. Aqui quem vos fala é o comandante Bianchi... O tempo de voo é estimado em três horas e trinta minutos, com previsão para chegada ao Aeroporto Augusto Severo, em Natal, às onze horas e vinte e três minutos, horário local... É... O tempo em Natal é bom, temperatura de 30 graus Celsius, ideal para um mergulho na praia de Pipa ou de Ponta Negra. Mas nunca se esqueça: de nada adianta o tempo quente a um coração gelado. Assim como de nada vale um mar de possibilidades se você não estiver disposto a mergulhar em alguma delas. Pela sua atenção, obrigado e boa viagem!


Suas mensagens tocavam cada vez mais passageiros, tudo graças a combinação de palavras certas, pausas dramáticas e, oportunamente, almas carentes:


- Senhoras e senhores passageiros, boa noite. Aqui quem vos fala é o comandante Bianchi diretamente da cabine de comando, o que me faz lembrar das cabines telefônicas espalhadas por aí, que a gente entra para ligar e dar boas notícias. Em breve chegaremos ao nosso destino final, estamos começando os procedimentos de decida e fica aqui a sugestão: por que você não aproveita e, logo após sair da aeronave, dá uma boa notícia para aquela pessoa que você não fala há tanto tempo? E se achar que não tem uma boa notícia para dar, lembre-se que a boa nova sempre pode ser um simples “alô” dito pela sua voz. Pela sua atenção, obrigado e boa viagem!


Nesta noite, passando pelo saguão do aeroporto para tomar uma Coca-Cola em alguma lanchonete, Alfredo recebeu um abraço repentino de um homem que, se não fosse a face banhada por lágrimas tal qual uma criança, teria um ar professoral e pouco vulnerável:


- Eu vi! Eu vi você saindo do avião! Você é o piloto da mensagem, não é?! Tá no seu crachá! Obrigado! Obrigado! Fazia mais de 10 anos que não falava com meu irmão! Vou me encontrar com ele amanhã! Se não fosse você... Obrigado! Fica com Deus! Obrigado!


Certa vez, semanas depois, uma comissária comentou antes do embarque que naquele dia havia um time de futebol que disputaria um jogo importante do campeonato no dia seguinte. Aproveitando a deixa, logo após a decolagem, Alfredo emendou:


- Senhoras e senhores passageiros, boa tarde! Aqui quem vos fala é o comandante Bianchi. O tempo de rota é bom. Estamos em velocidade de cruzeiro, o que me fez lembrar que hoje todos nós fazemos parte de uma constelação campeã. Não porque não precisamos ter medo ou porque precisamos provar algo para alguém, mas porque precisamos ter coragem de provar para nós mesmos que temos capacidade de alcançar tudo o que quisermos – até mesmo as estrelas. Isso é ser vencedor, independentemente de qualquer resultado. Pela sua atenção, obrigado e boa viagem!


Mais ou menos na metade do tempo de voo, Alfredo liberou a cabine para receber as crianças ansiosas por uma foto com seu quepe. Depois de atender pacientemente cada uma delas, algo inimaginável aconteceu.


- Alfredinho dos Bianchi!


Alfredo era novamente Alfredinho dos Bianchi da Rua das Laranjeiras. Isso se deu não pelo contato com tantas crianças, em um número atípico naquele dia, mas porque pela porta, ao fim da fila, surgiu Alfredinho – o dos Vilella da Rua das Amendoeiras, dessa vez vestido com o uniforme de viagem do time do Cruzeiro.


- Mas é claro que você ia se tornar jogador! Que surpresa agradável!


- Surpresa? Eu ouvi a sua mensagem! Aliás, o time todo ouviu! Vamos vencer amanhã! Toma: uma camisa autografada por todo mundo! Quando eu ouvi a voz e essa mensagem, só podia ser você, com essa sua onda de fazer poesia com tudo. E é claro que virou piloto, só vivia com a cabeça nas nuvens! Bom te ver, Alfredinho! Ou devo lhe chamar só de comandante Bianchi?! Bom te ver!


Só depois de uns 10 minutos que o piloto entendeu o que havia acontecido: o time que carregava a bordo era o time do Cruzeiro, que entendeu que “velocidade de cruzeiro” era uma referência a eles. A mensagem, de fato, tinha um intenção motivacional, mas não era direcionada a nenhum time específico. Mesmo assim, lhe rendeu uma viagem de volta ao passado e uma lembrança que guardaria para o resto da vida emoldurado na parede de sua sala. Ganhar lembranças, aliás, começou a ser comum desde que Alfredo passou a dar seu toque de sensibilidade nas mensagens de bordo. De isqueiros e lenços bordados a potes de ambrosia, passando por cartões de visita com recados no verso e até mesmo executivos lhe oferecendo dinheiro na saída do avião pela experiência agradável do voo. O que Alfredo não podia entender naquele dia é que seu xará futebolista morria de medo de viajar de avião e, assim como centenas de passageiros que ouviam as mensagens do piloto, perdeu o medo de voar para sempre – infelizmente toda a confiança adquirida nos ares não foi suficiente para o Cruzeiro sair vencedor no dia seguinte.


Passados mais alguns meses, ao final de uma ponte aérea sem sustos com o avião abarrotado de homens engravatados e semblantes sérios, Alfredo falou com seus passageiros no intuito de chamar a atenção para a beleza do aeroporto mais bonito que existia no Brasil, segundo sua humilde opinião:


- Senhoras e senhores passageiros, bom dia! Aqui quem vos fala é o comandante Bianchi, diretamente da cabine de comando. Em dentro de aproximadamente 10 minutos completaremos mais uma ponte área no Aeroporto Santos Dumont. Muitos de vocês devem estar aqui hoje a trabalho e, eventualmente, podem enfrentar alguma crise, o que é normal. Nestas horas, em caso de emergência de pensar em largar tudo, olhe para a janela e sinta o privilégio desta paisagem: vai dar tudo certo. E se mesmo assim tiver a certeza que vai largar tudo, a dica é a mesma: olhe para a paisagem que está na sua janela, que também vai dar tudo certo. E em qualquer acaso, desfrute desta beleza mais de perto, não só pela janela. Pela sua atenção, obrigado e boa viagem!


Na saída do avião, uma repórter da revista Veja o esperava. Disse que achou de grande beleza a mensagem dita na cabine e que conseguia ver o brilho no olhar até mesmo nos engravatados mais sisudos e de sensibilidade quase intransponível. O convidou para uma pequena reportagem para dali duas ou três edições. A história do “piloto poeta” ganhou notoriedade nacional. Isso contribuiu para que Alfredo fosse respeitado com suas atitudes, que muitos pilotos mais conservadores chamavam de “desvio de função” e “falta de profissionalismo”. Também contribuiu para que novos pilotos entendessem que a arte daquele ofício era muito mais que dar asas aos humanos – era cuidar de corações aflitos que por algum motivo precisavam se deslocar pelos ares, seja a trabalho, seja a turismo ou até mesmo para consumar o luto da perda de um ente querido em um estado distante. Era uma oportunidade de reconectar almas ao sentido da existência.


Alfredo continuou sua majestosa trajetória, chegando a ser reconhecido pela própria Varig quando ganhou destaque em uma das edições da revista de bordo, o que para ele foi uma das maiores honras de sua carreira.


Claro que um piloto tão experiente não viajaria apenas por brisas, mas mesmo em adversidades conseguia destilar beleza e abstração, como em uma das inúmeras turbulências que encarou:


- Boa noite, senhoras e senhores passageiros! Aqui quem vos fala é o comandante Bianchi. Estamos passando por uma zona de turbulência. Por isso, afivelem seus cintos de segurança e tenham sempre consigo que turbulências na vida acontecem com todos, até mesmo para os cidadãos mais opostos; mas aproveitar a calmaria que vem logo depois é para os poucos que estão com seus corações dispostos. E você, está disposto? Pela sua atenção, obrigado e boa viagem!


Poucos minutos depois, ao fim da turbulência que chacoalhou com as emoções de todos, foi possível ouvir de dentro da cabine a saraivada de palmas e assovios que vinha do restante do avião em reverência a Alfredo.


Com o passar dos anos, a popularidade de suas mensagens caíram assim como o glamour da aviação civil brasileira. As pessoas estavam cada vez mais impacientes e aos poucos todos os luxos que envolviam o contexto de voar desapareciam, assim como a experiência tornava-se banal, já sem despertar grande temor em quem viajava. Nada que abalasse o calejado comandante que há tempos sentia que sua missão estava cumprida. Um último grande desafio, porém, ainda o esperava.


Ao final de um voo, partindo de Vitória com destino à Brasília, que se fez tranquilo na maior parte do tempo, quando já se preparava para os procedimentos de pouso da aeronave, do mesmo céu que tanto inspirou Alfredo durante toda a sua vida, surgiu, ironicamente, uma revoada de pássaros, que atingiu em cheio as duas turbinas do avião, ocasionando a perda total dos motores. Não havia tempo hábil para planar até nenhum aeroporto. O pouso de emergência era a única saída.


Nesta situação, a função do piloto nunca deve ser a de gerar pânico. Suas ações devem ser sutis e objetivas. Contudo, o estrondo causado e o fogo que era possível ser visto saindo das asas despertou o desespero em todos, até mesmo nos passageiros mais frequentes: o ateu rezava todos os Pai Nossos e Ave Marias acumulados de uma vida inteira; o religioso perdia a fé e entendia aquilo como um castigo por todos os seus pecados; o deputado balofo enfartava e morria antes mesmo de saber se poderia ser salvo pelo pouso emergencial; o amante chorava, não pelo medo da morte, mas por vergonha de ter seus adultérios descobertos na ocasião de seu velório; o precavido tirava a identidade da carteira e colocava entre os dentes para facilitar o trabalho dos bombeiros caso morresse carbonizado – morria de medo ser enterrado como indigente; a criança, que nada entendia e que passara boa parte do voo chorando, agora se divertia com a algazarra e o pânico dos adultos. Haviam ainda aqueles que davam as mãos para os estranhos ao lado e aqueles que tinham o sono tão pesado que nada percebiam.


Dentro da cabine, Alfredo torcia para que nenhum daqueles passageiros estivesse voando pela primeira vez: seu maior temor era traumatizar alguém com a beleza que era ver o mundo por uma perspectiva tão bela e nunca antes vista. Então, 46 anos, quatro meses e três dias depois de escrever o seu primeiro e grandioso poema de três versos, e depois de 12.322 horas de voo, as quais ele havia perdido as contas já fazia muito tempo, declamou suas palavras com serenidade, em um grande ato de bravura, antes de tentar a manobra que definiria o destino de todos a bordo:


- Senhoras e senhores passageiros, aqui quem vos fala é o comandante Bianchi. Depois de tantas idas e vindas, esta é a viagem de nossas vidas. De todas, a maior. Por isso, darei o meu melhor. Não desistam e afivelem seus cintos de segurança. Atenção, tripulação, preparar para o impacto. Senhoras e senhores passageiros... Boa viagem!

  • Jul 8, 2020
  • 19 min read

- Já tá querendo sair, né seu José?!


- É que eu... Eu só... Eu só tô indo comprar pão, minha filha.


- Eu já comprei conforme a gente já combinou tem um mês, lembra? Agora só eu que posso sair pra comprar pão.


- É que você sempre se esquece da mortadela...


- Vô, eu comprei tudo e tá lá na cozinha. Nem tente me enrolar.


- E eu tô indo de máscara...


- Nem pensar! É pra ficar em casa! O senhor sabe. Tá difícil pra mim também, mas agora é melhor pro senhor ficar aqui. Se precisar de alguma coisa, eu resolvo, tá bom?


- Mas gente, tá todo mundo na rua, o presidente falou que isso não é nada demais!


- Então tá bom, vai lá! Depois não reclama se o caminhão cata-velho passar. Ou pior: se cortarem sua aposentadoria!


- Tá bom! Tá bom! Menina cheirando a mijo querendo dar ordem, onde já se viu...


Já era a segunda vez só nesta semana que seu José, avô de Laura, tentava escapulir na quarentena. Cada vez era uma desculpa diferente e Laura já estava veiáca nas táticas do avô. Nesta manhã, por exemplo, ficou sentada na velha cadeira de balanço da sua avó perto da entrada do quintal, lendo seu quinto livro da quarentena, para que pudesse ficar de olho no portão. Passara acordar mais cedo para ir à padaria quando faltava algo pro café da manhã. Também se tornara responsável, por vontade própria, de todas as contas de casa para que nenhuma ida à casa lotérica fosse desculpa. Porém, nem ela própria, naquela altura, se sentia legítima para censurar a vontade irracional do seu avô de romper a clausura e sentir o calor da rua. Ela também queria o calor. Da rua e de Bruno.

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Laura morava com os avós e gostava disso. Porém, durante a pandemia, passou a observar o quanto a velhice, por vezes, era um fardo. Não poder aproveitar a liberdade da vida nesta idade era um peso grande demais para quem já não tinha mais tanta liberdade nos movimentos do próprio corpo. Nestas horas até batia uma culpa por julgar tanto a vontade insaciável dos velhos quererem sair de casa a qualquer custo. Ela mesma começava a repensar o sentido de tudo aquilo, não aguentava mais aquela situação de confinamento. Mas colocar os avós em risco estava fora de cogitação.


No início, achara que toda a situação era uma oportunidade dada de bandeja para a humanidade evoluir e, de quebra, para ela colocar suas leituras e projetos em dia. Deixar de sair não seria problema à primeira vista. Não que ela não gostasse de sair, pelo contrário: gostava muito de viver lá fora. Mas se tinha uma coisa que era do seu agrado tanto quanto sair, era ficar em casa – inclusive, fazia algum tempo que não experimentava a segunda situação, então, no fim da equação, seria uma boa. O principal problema em questão era que, até então, Laura era a responsável pelas escolhas das fases da sua vida, seja a fase de sair, seja a de ficar.


O tempo foi passando e o mundo não dava sinais de melhoras. As pessoas, por sinal, se mostravam egoístas a ponto de ignorar todas as recomendações e furavam a quarentena para reuniões sociais regadas a álcool e lives sertanejas. Laura condenava piamente todas estas pessoas egoístas mas, no fundo, quando batia a solidão, pensava se a errada não seria ela por fazer julgamentos, afinal, somos todos humanos.


No alto do tédio da quarentena e de sua solteirice sem liberdade, Laura precisava de movimento, ver gente nova. Ser solteira, aliás, nunca fora problema em sua vida. Gostava de encarar como uma dádiva, um ideal a ser seguido, um rompimento com normas, já que, apesar de sensível e companheira, era acima de tudo muito desapegada. O problema era ser solteira dentro de um regime de confinamento. Sentia falta da cidade pulsante, dos cafés, dos happy hours em plena terça-feira e dos barzinhos de sábado logo após uma sessão de cinema. Queria os amigos por perto, para rir dos assuntos mais banais na mesma intensidade em que se debatia os assuntos mais acalorados como temas políticos e sociais. Queria, nos intervalos dos assuntos, esnobar os carinhas do bar, sobretudo os esquerdomachos – adorava quando algum deles puxava assunto dizendo “você é feminista, né? Eu também sou”. Muitas vezes até montava a arapuca para estas situações, se aproximando com um pedido de isqueiro para depois pisar e ir embora, deixando sua lição e sua marca. Mas também queria se permitir a se abrir, nem que fosse por uma noite, para aqueles caras caladões misteriosos que tinham olhar perdido e distante no meio de tantos homens com olhares de caça.


Laura, entretanto, não precisava ir aos bares para atrair os olhares caçadores, não precisava sequer sair de casa, e entendia que fazia por onde para atraí-los. Seus gostos musicais, suas roupas descoladas e suas fotos no Instagram não ajudavam neste quesito – e ajudavam bastante nos momentos de autoafirmação. Ao mesmo tempo que esnobava os hipsters que tentavam aproximação aos montes, seja na vida real em tempos normais, seja por mensagens diretas no Insta durante todo o tempo, com acentuada frequência na pandemia (ela adorava vestir a carapuça de uma pessoa fechada e fazia bem para seu ego pisar no ego destes caras que tentavam romper a barreira que ela criava), Laura amava os cantores mais hipsters possíveis, com seus visuais milimetricamente largados, suas roupas casuais intencionalmente escolhidas para a vibe anos 90, suas barbas e cabelos convenientemente desleixados, seus óculos marcantes e, nos tempos de pandemia, suas lives voz e violão. As lives, por sinal, começavam afetar sua carência de mundo em todos os sentidos, já que música era a expressão artística que mais ligava Laura ao seu mundo particular.


Certo dia, ela vira no Twitter um link sobre um aplicativo de relacionamentos que aumentava seu alcance de atuação para um raio global de encontros virtuais, antes limitados a raios que abrangiam basicamente as redondezas da cidade, o que possibilitaria matches em distâncias intercontinentais. Logo de cara ela pensou: “agora pronto, já não bastava ter em mãos um cardápio de gente carente local?”.

Pouco depois, uma amiga de Laura comentara que conheceu um belga nesta brincadeira. Dissera que havia instalado o aplicativo para praticar o seu francês (Laura pensou “aham, praticar francês”), mas em menos de uma semana já estavam combinando de se encontrarem em Recife para um match na vida real quando todo este escarcéu passasse.

Se todo mundo dava um jeito, por que não Laura? Ela já não estava fazendo nada, nesta altura já havia lido três livros e perdido a conta de filmes assistidos. Estava na hora de achar uma outra distração para ocupar seu tempo.

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Fora um salto na sua autoestima.


Em poucos matches, Laura conhecera italianos, russos, suíços, espanhóis, australianos, americanos, mexicanos, colombianos, portugueses e várias outras nacionalidades que logo foram se perdendo no meio da lista. Um mais diferente que o outro. O outro mais pervertido que o um. Os europeus tinham um charme especial e, também em especial, apreciavam estarem falando com uma morena made in Brazil – não que os latinos não tivessem seu charme, porém, logo de cara, Laura percebera que latinos não eram muito de ficar em rodeios nas temáticas das conversas e demoravam menos da metade do tempo dos europeus para irem direto ao assunto que os importavam. Apreciar, aliás, era pouco para os gringos: estavam deslumbrados, era como se tivessem acabado de ganhar na loteria ou descobrir a América. Não demorara para os encontros virtuais com hora marcada surgissem, regadas a vinho – muito vinho.


À medida que o teor alcoólico subia, o nível dos assuntos, que giravam em torno de pronuncias de palavras, curiosidades das cidades e países e até mesmo banalidades da vida pessoal, descia para insinuações sexuais, primeiro sutis, disfarçadas, com brincadeiras de duplo sentido, para depois serem bem descaradas. Laura, que nunca havia trocado nudes explícitos antes (no máximo fotos “sugestivas” como gostava de falar) se tornara uma verdadeira perita em sedução virtual. Mandar nude virara arte em suas mãos.

Logo as fotos ganharam iluminações especiais e poses ousadas – Laura gostava de fotografia. E logo as fotos evoluíram para vídeos dançantes – Laura também gostava de dançar. E tão logo que toda a atmosfera ficava mais excitante, rapidamente se desmanchava pela monotemática que se transformava a conversa. A masturbação virtual, mesmo multicultural, já não a excitava tanto assim. Laura precisava de mais. Mesmo com sua autoestima revigorada e considerando sincero o brilho no olhar dos seus contatinhos internacionais ao ver suas curvas, o seu desejo pedia o encanto da descoberta de quando ainda era livre para escolher com quem passaria a noite entre os jovens embriagados da calçada do bar.

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O cardápio humano internacional perdera a graça. Mas o estrago já estava feito. Aquela experiência atiçara um monstro adormecido dentro dela. Laura se sentia parcialmente viva de novo em um mundo que se mostrava cada vez mais doente. Ela queria se sentir viva por inteiro. Queria papos sinceros, trocas verdadeiras que não fossem só fotos safadas. Laura queria conversar em português sem ter que apelar para o Google Tradutor a cada três frases. Não só isso. Laura queria ser entendida sem precisar explicar seu mundo e se fazer entender não é uma missão apenas da língua portuguesa. Era mais específico que isso. Laura adorava tomar vinho, se sentia chique, se sentia em um filme noir, mas segurar essa pose tanto tempo não parecia ser totalmente da sua natureza depois que se tornara rotina, ainda mais em tamanha distância. Laura sentia falta da essência do papo sobre as escolas onde haviam estudado, sobre descobrir os conhecidos em comum, sobre os romances com conhecidos em comum, sobre os bares em comum. Laura sentia falta de dividir o litrão de cerveja com batata frita sabendo que isso era o signo, o ascendente e a lua de uma troca verdadeira.


Depois de tantas lives de ídolos impossíveis e de se sentir viva apenas pela metade com gringos pervertidos em um mundo lacrado para a vida de outrora, chegara no momento ideal de ter a chance de, pelo menos em uma breve epifania, ter a ilusão de se sentir inteira. Chegara a hora de morrer de amores verdadeiros, amores de pandemia.

E sem entender se sabia ou não o porquê de estar fazendo isso, mudara o raio do aplicativo para 10km, depois para 5km e, por fim, 2km.

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Não demora muito para conhecer Bruno, 25. Bruno era designer (ou programador, ou publicitário ou qualquer coisa parecida com isso, seu perfil dizia apenas “freelancer” e para Laura era tudo igual). Bruno tinha barba falha, mas consistente (Laura não gostava de perfeições). Bruno tinha olhos castanhos (Laura estava cansada de olhos claros depois de sua temporada europeia). Bruno tocava violão (geralmente Laura não caia nessa, mas naquele momento era tudo o que seu ego queria – Laura gostava de se sentir sob controle dos seus quereres). Era tudo o que dava para ver pelo aplicativo, mas já estava de bom tamanho para um começo.


Assim como todo encontro casual espontâneo deve ser, os papos entre os dois fluíam com a mesma naturalidade e rapidez com que os dedos dos jovens deslizam sobre a tela de um smartphone. Em dois dias parecia que se conheciam há dois anos. Não era paixão, não havia juras de amor na conversa, nem promessas de encontros quando o mundo voltasse ao normal. Era natural e isso confortava Laura ao mesmo tempo que a estranhava.

No terceiro dia de conversa, uma notificação aparecera na tela do celular.


“Posso te mostrar uma coisa?”


Era a mensagem de Bruno para a alívio de Laura. Estava demorando o lado pervertido desse hipster aparecer – homens hipsters, antes de tudo, são homens.


“Me surpreenda”, Laura resolveu arriscar.


O vídeo demorara poucos segundos para baixar. Bruno tocava uma guitarra com uma destreza nunca antes vista por Laura, pelo menos não performada por um amador. Sua voz saia doce e afinada, levemente falhada, o que aumentava o mistério sobre a persona de Bruno. Ao fundo, um pôster do Robert De Niro em algum filme do Scorsese compunha o cenário.


“If you really love nothing On what future do we build illusions If you really love nothing Do we wait in silent glory...”


As palavras misturadas às notas e aos acordes foram como um punhal diretamente no peito de Laura. Não era paixão. Era pior: era o lado mais vulnerável de Laura se apresentado.


“Uau, me surpreendeu, pensei que fosse nudes hahaha”.


“Mandar nudes é coisa do passado. A moda agora é tocar pelado”.


“Você não tá pelado”.


“E nem precisava”.


“Perto de qual mercado você falou que morava mesmo?”.

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- Já tá querendo sair, né seu José?!


- É que eu... Eu só... Eu só tô indo comprar pão, minha filha.


- Eu já comprei conforme a gente já combinou tem um mês, lembra? Agora só eu que posso sair pra comprar pão.


- É que você sempre se esquece da mortadela...


- Vô, eu comprei tudo e tá lá na cozinha. Nem tente me enrolar.


- E eu tô indo de máscara...


- Nem pensar! É pra ficar em casa! O senhor sabe. Tá difícil pra mim também, mas agora é melhor pro senhor ficar aqui. Se precisar de alguma coisa, eu resolvo, tá bom?


- Mas gente, tá todo mundo na rua, o presidente falou que isso não é nada demais!


- Então tá bom, vai lá! Depois não reclama se o caminhão cata-velho passar. Ou pior: se cortarem sua aposentadoria!


- Tá bom! Tá bom! Menina cheirando a mijo querendo dar ordem, onde já se viu...


Já fazia duas semanas que Laura e Bruno conversavam. Os papos continuavam fluindo naturalmente bem, mas não tão intensos como foi no momento em que Bruno mandou o vídeo tocando guitarra. Ele também não era pervertido e nem de fazer planos para depois da pandemia como os outros carinhas que ela conhecera virtualmente. Todas as conversas com os esses novos conhecidos, aliás, rendiam boas piadas entre Laura e seus amigos.

O contexto em que estava vivendo ocupara bem a cabeça e o tempo de Laura. A rotina de controlar seus avós para que eles ficassem seguros, colocar suas leituras em dia, conhecer pessoas novas e comentar sobre esses papos aleatórios com seus amigos, recheados de carinhas tentando se mostrar de todas as formas com seus planos de encontro que de forma alguma aconteceriam, deixava seus dias mais leves e ligeiros.


Porém, Bruno estava sempre ali.


Àquela altura, Laura já sabia que Bruno morava só e era programador, não designer. Não morava muito longe da casa dos seus avós, ambos frequentavam quase que os mesmos serviços essenciais disponíveis na redondeza. Não sabia explicar o porquê, mas se sentia preocupada com ele, achava que a solidão em tempos de pandemia devia estar o afetando para tirar seu entusiasmo nas conversas (Laura não queria de forma alguma colocar como hipótese uma baixa no interesse dele por ela, era orgulhosa demais para isso). Mesmo com menos entusiasmo, se falavam diariamente.


Na noite anterior, Bruno surpreendeu Laura novamente. Comentou que pretendia ir ao supermercado comprar alguns mantimentos para os próximos dias e sugeriu que poderiam se encontrar casualmente, mesmo que de longe, respeitando todas as orientações da OMS. Ninguém nem perceberia que se tratava de um encontro marcado na internet. Essa ideia empolgou Laura que, para não parecer tão entusiasmada, respondeu com um “pode ser”.

Até a manhã seguinte, porém, Bruno não havia falado mais nada, o que deixou Laura pensativa se não devia ter mostrado mais emoção na resposta seca que deu. No meio dos devaneios sobre a melhor forma de responder uma mensagem, quase não percebeu que seu avô já havia virado a chave do cadeado e estava para virar o trinco do portão.


Por sorte, o barulho foi forte o suficiente para acordá-la de suas divagações a tempo de impedir que seu avô saísse, o que a deixou com um sentimento de culpa ainda maior quando subiu a notificação de Bruno na tela do telefone.


“Então, estou pensando em ir lá pelas 17h. Te encontro lá? Vou estar de camiseta preta”.


“Com certeza!”.


No mesmo instante em que enviou a mensagem, se arrependeu de ser tão entusiasmada. De qualquer forma, pensou que era hora de baixar a guarda, por mais que algo dentro dela a deixasse inquieta.

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Laura chegou alguns minutos atrasada em relação ao planejado. Ela cogitou se atrasar um pouco propositalmente para parecer mais casual, mas não precisou tomar essa decisão por conta própria. Estranhamente, vinte minutos antes da hora do encontro, seu telefone tocou. Antes de pegar o celular, pensou que era Bruno inventando alguma desculpa para desmarcarem. Não era Bruno, era seu pai.


Fazia tempo que não se falavam. Na verdade, nunca foram muito de se falar. Geralmente a ausência dele era tão mais íntima de Laura do que ele próprio sequer cogitara ser. Era Laura que tinha a missão de manter contato e que ligava para ele, mesmo assim, limitando-se às datas especiais ou assuntos de extrema importância. Aquela não era nenhuma data especial – pelo menos não que Laura soubesse. Isso fez seu coração parar por uma fração de segundos e gerou uma pequena moleza em suas pernas pela primeira vez naquele dia.


A última ocasião que se falaram fora ao início da pandemia. Seu pai não era exatamente do grupo de risco: tinha menos de 60, não era de beber, não fumava, não era diabético e, desde que Laura se entendia por gente, seu pai fazia questão de salientar a importância de correr logo pela manhã. Porém, desde que se divorciara, optara por uma vida reclusa, distante, quase um ermitão. Laura, que cansara de insistir para o pai sair mais e viver a vida, mudou o discurso para que ele ficasse em casa e que, se eventualmente precisasse de alguma coisa, poderia entrar em contato que ela daria um jeito. Laura era filha única.


- Pai, tá tudo bem? Tá precisando de alguma coisa?


- Não, minha filha. Liguei mais para saber como você tá. Seu José e dona Margarete estão bem?


- Sim, pai, estamos todos bem.


- ...


- Tem certeza que está tudo bem?


- Está sim, minha filha. Era só pra dizer que... Saiba sempre que o pai te ama...


- Eu sei pai, também te amo, mas agora não é uma boa hora, estou ocupada. Outra hora te ligo.


- Tá bom...


A conversa desestabilizou Laura. Ela gostava de manter uma pose durona e pouco sentimental. Mas seu pai ligar repentinamente – mais do que isso, falar que a amava –era golpe baixo. Sequer se lembrava qual foi a última vez que seu pai havia falado isso (ou mesmo se já havia falado). O indício que seu pai lhe dera de presente era impossível ser captado por Laura que, tão rapidamente quanto se desestabilizou, restabeleceu a ordem e o controle sobre si e tentou se concentrar no que viera fazer no mercado. Nem se deu conta que se esquecera de se despedir antes de desligar a ligação.


Quando viu a hora, pensou que era tarde demais. Andou pelo mercado como se nada tivesse acontecendo. Sua respiração estava ofegante, mas não se incomodou, atribuía isso a falta de costume de usar máscara. Nem sinal de Bruno e sua camiseta preta. Pensou que seria mais fácil se ele tivesse falado qual era a cor da máscara que usaria, já que, nessa altura da pandemia, as máscaras estavam cada vez mais estilizadas em rostos que só tinham agora os olhos aparentes e que, quando se cruzavam com outros olhos, era como se dissessem “eu entendo”. Na ânsia de sair de casa para o encontro marcado, Laura se esqueceu de ao menos fazer uma lista de compras para assim não dar viagem perdida. Seria muito constrangedor em meio a uma pandemia sair do mercado de mãos abanando. Começou a se sentir ridícula fingindo escolher um detergente.


Só não estava mais ridícula do que a figura curiosa com quem se deparou na seção de congelados. Em meio a tantas pessoas que usavam máscaras coloridas, como uma senhorinha que vestia até luvas cirúrgicas, e outras que usavam suas máscaras de qualquer jeito, como um homem de meia idade e camisa do Corinthians que deixava o seu nariz totalmente para fora da máscara, um homem velho, gordo e tão careca que a cabeça parecia uma bola de bilhar revestida por couro, chamava a atenção com sua máscara xadrez azul claro que mal cabia em seu rosto carnudo, o que deixava a impressão de a máscara ser na verdade uma calcinha bem pequena em uma bunda muito grande. Quando o homem velho percebeu que ela o encarava, Laura virou o rosto imediatamente, fazendo com que sua tentativa de disfarçar mais a denunciasse do que a encobrisse. O homem velho se limitou a também virar o rosto sem paciência e sair de perto.


Laura se dirigiu para a seção de frios e, por fim, para a seção de bebidas. Seu coração parou por uma fração de segundos e bambeou suas pernas pela segunda vez naquele dia quando encontrou um olhar perdido, um tanto misterioso, um pouco melancólico, flertando com o niilismo. Aquele mesmo tipo de olhar (ou pelo menos muito parecido) que se destacava no meio da multidão de olhares caçadores nos bares da cidade aos finais de semana.


- Camiseta preta... Da próxima vez poderia falar a cor da sua máscara para ficar mais fácil.


- Eu até pensei nisso depois, mas só tenho máscara branca. E se você reparar, muita gente ainda usa máscara branca.


- Mas não com uma nota musical desenhada no canto.


- É, nisso você tem razão... Bom, então... Prazer, Bruno – ele estendeu seu pé.


- O prazer é meu – Laura entendeu o aceno e deu um chutinho de cumprimento no pé de Bruno (ela reparou que ambos usam All Star, o que era encantador para a Laura, já que todo mundo parece ter aderido à moda dos Vans – foi também um alívio, porque morria de medo de Bruno usar sapatênis).


Andaram juntos pelo mercado mantendo a distância de aproximadamente um metro um do outro para não se colocarem em risco. Bruno falou que precisava comprar verduras, ovos, produtos de limpeza e umas cervejas. Depois do constrangimento mútuo, tornaram-se cumplices da situação inusitada e rapidamente o gelo entre os dois foi quebrado. A atmosfera ficou leve e lembrava bastante o mesmo clima dos papos que se desenrolavam virtualmente entre os dois. Em um tempo que poderia ser dez minutos ou uma hora, chegaram à fila do caixa.


Por dentro, Laura queria mais do que o encontro no mercado. Ver aquele olhar era como se reencontrar em sua melhor versão. Até ali, ela cumpria rigorosamente tudo o que se podia fazer para se proteger na pandemia, talvez até mais (desde que tinha chegado ao mercado, passou generosas quantidade de álcool gel nas mãos pelo menos três vezes, fora as outras duas no caminho). E Laura sabia que Bruno era solitário, não tinha contatos casuais com ninguém, era um cara reservado por essência e, convenhamos, Laura pensava, ambos tinham assuntos para tratar sem máscara e sem os outros panos do corpo. Ela tinha o direito de escolher isso e Bruno, aparentemente, devia entender:


- Eu tava pensando...


- O quê?


- Não, deixa pra lá... – Bruno hesitou.


- Pode falar – Laura o encorajou.


- Eu tava pensando que a gente fez tudo certinho até aqui. Você não sai, eu não saio, nesse tempo todo ninguém teve sequer um sintoma... Tipo, já teria dado tempo da doença se manifestar caso a gente tivesse, não?


- Pra ser sincera, eu também tava pensando a mesma coisa.


- Então, como a gente faz tudo certo, por que, de repente, a gente não vai lá em casa, toma uma e conversa mais relaxado? Se você achar que não, tá tudo certo...


- Eu fico meio que me sentindo errada, sei lá, mas, a gente não taria fazendo nada de errado, se a gente parar pra ver e analisar nosso caso em particular, então, por que não?


- Você topa?


- Topo, só não posso demorar muito para não preocupar meus avós.


Saíram do mercado na mesma hora em que o sol que deixava o céu para se encontrar com o horizonte. O ar era fresco e ameno. Era como se ambos tivessem tirado um grande peso das costas. Estavam mais a vontade do que nunca e a conversa fluía normalmente, como não podia deixar de ser. Bruno guiava a direção. Conversaram sobre o clima, o tempo frio que estava chegando, o quanto pôr do sol ficava bonito nesta época do ano. Conversavam também sobre a decepção das pessoas com o adiamento de eventos como festa junina e Lollapalooza e, finalmente, shows que tinham ido e que gostariam de ir quando a pandemia terminasse. Era a primeira vez que tocavam no assunto pós-pandemia, o que era muito comum nas conversas que Laura teve com outros caras que conheceu nesse período. Sentiu que o tópico deixou Bruno angustiado e resolveu trocar de assunto. Perguntou o que ele pretendia cozinhar hoje à noite.


Até certo ponto, o caminho era exatamente o mesmo que Laura fazia para voltar para a casa dos avós. Mas depois de três quadras, viraram para o lado oposto e seguiram para uma rua só de prédios. As calçadas e ruas tinham pouco movimento de pessoas e de carros, o que agradou Laura, já que das últimas vezes que foi no mercado ou na padaria sentiu que as pessoas começavam a ficar desleixadas com a pandemia. Bruno diminuiu o ritmo dos passos.


- Chegamos e não chegamos.


- Como assim?


- Bom, este é meu prédio, mas a portaria tá em reforma, como você pode ver. Por causa da pandemia, tiveram que deixar assim e não tem como entrar. Só entra pela garagem, que fica do outro lado da quadra.


- Se você não falasse eu nem perceberia, não faria diferença essa informação, podíamos seguir direto para a garagem.


- É verdade, drrrr... – Bruno riu tímido.


Seguiram até o fim da rua e dobraram a esquina. Um vento gelado cortou o ar no mesmo instante em que o sol finalmente deixou o horizonte. A atmosfera mudou. O peso da culpa foi de encontro ao rosto de Laura, trazendo palidez que ela podia sentir em sua face. Refletiu sobre o peso moral do que estava fazendo. Lembrou-se sobre todas as vezes que censurou conhecidos por reuniões casuais entre amigos, do tanto que considerava isso errado e que, por mais que tivesse ciência de que provavelmente os dois não estavam infectados, pelo sim, pelo não, era melhor não se arriscarem. Pensou nos avós idosos e o tanto que estava sendo egoísta, não só de colocar em risco a saúde dos dois, mas também por ter sido uma verdadeira bedel na hora de fiscalizar o comportamento de quem tinha muito mais experiência do que ela poderia imaginar quando o assunto é viver. Começou a se sentir paranoica e exagerada por juntar a este bolo uma lembrança que já era um pouco distante, de quando era caloura na faculdade (e de quase tudo na vida) e ainda iniciava suas aventuras sexuais, na ocasião em que deu de primeira e sem camisinha para um roqueiro charmoso e limpinho de uma famosa banda da cidade, contraindo herpes genital. No fim das equações que fazia freneticamente em sua cabeça, Laura se sentia equiparada a uma negacionista e, para ela, isso era horrível, condenável e tinha um peso que não queria pagar.


- Bruno... – Laura parou e começou a dar meia volta.


- Tá tudo bem? – Bruno se mostrou apreensivo.


- Eu pensei aqui e acho que é melhor deixar isso pra depois – Laura respondeu.


- Eu imaginei que isso pudesse acontecer.


Laura tomou um susto. Não era Bruno que falava. Ao se virar de súbito para a direção de onde vinha a voz, deu de cara a uma grande massa de carne humana. Com a força do impacto, cambaleou uns passos para trás e pôde ver em quem havia esbarrado. Tomou um susto ao reconhecer o homem. Sua máscara xadrez azul claro agora pendia em uma das orelhas de sua enorme cabeça gorda e careca. Sua boca sorria, meus seu olhar era de cólera. Antes que Laura pudesse tentar correr, o velho homem gordo e careca segurou seu braço com força.


- SOCOR...


O grito de Laura foi abafado pelo pano cheio de éter colocado na região de seu nariz e boca. O olhar de Laura era puro desespero.


- Calma, garota. Ninguém aqui é monstro, ninguém vai burlar você.


Sem mais forças para lutar contra o peso do homem gordo e contra o efeito do éter que subia à sua cabeça, o coração de Laura falhou, deixando suas pernas moles pela terceira e última vez naquele dia.

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Laura era só mais uma infeliz vítima de uma antiga pandemia que corrói a humanidade: a existencial. Sucumbiu sob o vírus da efemeridade, da busca tola por ser dona do próprio destino, da própria sorte e até das próprias emoções que ingenuamente pensava dominar, sem saber quais eram de fato tais emoções e seus porquês – porém, precisava desbravá-las loucamente. Sua vontade de existir quando aparecia era difícil de controlar. Apesar de tudo, viveu até ali em uma glória interna, silenciosa e assintomática.

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Bruno assistiu tudo com o olhar melancólico sem nada fazer. O vazio de brilho em seus olhos era só mais um sintoma de quem estava muito longe de si fazia tempos. Estava assustado, porém, não desesperado. Por que ela simplesmente não recusou o convite?


- Não vai me ajudar a carregar pro carro? Pera aí, não vai me dizer que você se afeiçoou nela?!


- Não, doutor...


- Bom, tanto faz. A sua parte já tá na conta. Desde que a pandemia começou, não tão aceitando como doação os órgãos de quem morre infectado. Fazer o que? Alguém precisava lucrar... Argh... Me disseram que os rins e o coração dessa aqui já têm donos. Você disse que ela não é fumante, né?


- Só ocasional...


- Talvez aproveitem mais alguma coisa.


Bruno não precisaria mais fazer freelas por um bom tempo.

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